sábado, março 14, 2015

Varanda Gourmet de um País Desencantado




Olá Rui, tudo certo ? 


Releio o email enviado a você em julho do ano passado e...

Às vésperas do que espero ser uma manifestação nacional em grande escala, pressinto no ar um clima de conflito civil em nosso tão amado país. A divisão, embora indesejada, se faz clara pelos motivos errados. A questão do impeachment é irrelevante neste momento histórico. Embora a insatisfação e irritação seja geral, o divisor de águas se encontra no agrupamento de pessoas pró-PT e no contra os "lulopetralhas". A intolerância e o ódio tem permeado esses dois grupos pela nítida polarização nas redes sociais, bem como nos meios de comunicação; um racismo ideológico associado às classes sociais e aos seus interesses em um turbilhão ascendente sem precedentes.

O resultado das eleições, apertadas, já mostravam esse estado vigente. Mas a crise econômica e política que se apresentou, agravado pelo cenário de corrupção generalizada e descrédito na classe política, nesse início de mandato, vem provocando reações exacerbadas de parte a parte.

A crise econômica é uma mera confirmação da incompetência administrativa e desvarios de uma esquerda ébria pelos oposicionistas da população. Os preços administrados represados e o câmbio irreal mostram os seus efeitos contundentes em uma economia combalida pela sua própria ineficiência e falta de competitividade, além da eterna ausência de qualificação profissional e infraestrutura. A inflação na casa dos 7,7%, o crédito caro de 12,75% - com perspectivas de alta na próxima reunião do COPOM - o dólar a R$ 3,26 são os sinais mais externos de um país doente.

Para os fãs de Dilma é a decepção e o desencanto ao constatar o reverso cruel da moeda divulgada em campanha eleitoral. Ao constatar os preços em alta no mercado, a redução de benefícios sociais, o risco da perda do emprego e o aumento das tarifas da energia e da gasolina, além do encolhimento dos investimentos nas áreas de infraestrutura e social, levanta a sua bandeira vermelha contra o pacote econômico do "infiltrado" Levy e abomina o panelaço das "varandas gourmet", delírio de burguês.

Na minha humilde opinião, poderia estar e ser pior !
Tecnicamente a equipe econômica vem adotando medidas ortodoxas com o reajuste fiscal para alcançar até o final do exercício 1,2% do PIB, meta que achei surreal, mas que apresentado o plano fiscal, apesar do sacrifício, parece factível. Tem contido os gastos do governo e erradicado o socorro público com a redução da desoneração da folha das empresas, revisão dos incentivos fiscais e demais benesses setoriais. É cruel e estamos pagando o preço pela incompetência administrativa de um mandato que poderia ser excluído da história do país.

Isso resulta na indignação vermelha.

Dilma poderia ter continuado com um Mantega genérico oriundo do país de Alice, especialista em pedaladas criativas e perniciosas. A exemplo do molusco em seu primeiro mandato, optou, de forma surpreendente, por um representante da escola de Chicago das frentes inimigas. Até então inimaginável ! Acho que nem o Aécio poderia imaginar com aquele sorrisinho irônico... Se os três porquinhos (Levy, Tombini e Barbosa) se manterão firmes no governo e com autonomia é a grande questão...

A crise política instaurada no Planalto é inusitada e deve-se em grande parte ao estado onírico permanente da "presidanta". Isolada, teimosa, arrogante e cheia de soberba não consegue sequer lidar com os seus pares, seja dentro do PT, seja com a base governista. O conflito interno tem se mostrado prejudicial à nação, exemplo claro é a devolução da MP 669 que trata da redução da desoneração da folha das empresas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, e a quase derrubada, pelo mesmo meliante, do veto presidencial para o fim da manutenção de subsídios no setor elétrico. E que com isso quase provocou a demissão do porquinho da Fazenda. A troca de chantagens e ameaças será uma constante no embate entre os elementos da mesma quadrilha, mas de facções distintas. 

Todos esses protagonistas são assombrados pelo grande molusco e suas ameaças, agora renovadas com as milícias do jagunço Stédile...

Ao fundo corre o cenário aterrorizador da Petrobrás e o câncer sistêmico da corrupção com personagens das mais sombrias histórias em quadrinhos (Sin City do Frank Miller). E a Eletrobrás ? E o BNDES ? E os fundos de previdência ? Dá medo. Medo também temos dos blecautes (industrial, comercial e doméstico) e de nos tornarmos franceses com a falta de água provocada pelo picolé de chuchu e os seus asseclas. Outra corja política...

"Fedidos & Fudidos" ! Daria um bom bloco carnavalesco....

A Dilma, agora com índice de popularidade de um único dígito, é o símbolo de um país atônito, indignado e raivoso. A ela converge a insatisfação de ambos os lados. Tirá-la, para o povo que não votou no PT, significa a consagração por uma mudança contra tudo o que está presente: corrupção, inflação, "tarifaço", dólar, "petrolão" etc Como se tudo de ruim fosse culpa da corja lulopetista. E não é !

Para os "petralhas" a sua saída é golpe da direita oportunista, terceiro turno contra as regras democráticas. Por outro lado é imperativo que a presidente se coadune ao projeto de poder perpétuo do partido propiciando a volta do seu mentor principal ao Palácio da Alvorada.

O PMDB sorri das cadeiras cativas do congresso.

E agora ? Com ela ou sem ela ?
Amanhã será um novo dia.

Vida Longa e Próspera !

quinta-feira, julho 24, 2014

Notícias do País do Futebol



Olá Rui, tudo certo ? 

Demorei um pouco para responder a sua pergunta, pois as nuvens negras vão cobrindo pouco a pouco o céu azul varonil de um país recentemente corado de verde e amarelo.

Ao se dissipar as emoções nos estádios padrão FIFA e ao calar o já ultrajado orgulho nacional com o humilhante e inacreditável 7 x 1, poucas alegrias restaram ao povo brasileiro.

O Brasil e os brasileiros vão mal, obrigado.

A verdadeira copa começa agora com a discussão das "propostas" verborrágicas e viciadas de uma corja política representada pela "presidenta competenta e eficienta" do partido da Perda Total. A incompetência não é só privilégio da função executiva do Estado, mas também de sua oposição pífia, desorganizada e também corrupta. O legislativo continua assassinando os dispositivos constitucionais com o aval do judiciário, sobretudo dos membros do STF com suas decisões absolutistas e desvairios de seus egos insurgentes. Assim, as eleições deste ano se apresentam com o manto da interrogação, pois as opções existentes (veja o aécioporto !) não excitam um único neurônio e a desolação é geral ante aos desmandos de uma administração pública inacreditavelmente ruim. Cenário político mais sombrio do que a dupla Gilmar / Dunga...

Sobre tudo e sobre todos, uma crise fiscal de grandes proporções está à porta; resultado da baixa arrecadação, proveniente do desaquecimento geral da economia, sobretudo no setor industrial e de serviços. O agronegócio com os preços das commodities em declínio, embora mantendo as safras com pequenas melhoras, pouco ajuda. A capacidade industrial encolhida em função da descrença geral em uma política industrial irreal, reduzido investimento no setor (modernização do parque e especialização de mão de obra), na infraestrutura (principalmente na matriz energética). O consumo interno recolhido frente às incertezas estruturais, desaceleração da taxa de emprego, juros altos e preços do varejo em expansão. Não é surpresa que a arrecadação dos tributos esteja em declínio (0,28%, descontada a inflação no período). As exportações enfrentam dificuldades para competir (em preço e qualidade) com o mercado internacional, para lidar com uma China desacelerada e um dólar artificial. As importações estão sendo progressivamente torturadas com sobretaxas e medidas restritivas na tentativa de equilibrar a balança comercial. No país de Alice, as contas públicas nunca fecham. Mas o pior: gasta-se cada vez mais. E gasta-se mal ! Ao abrir o jornal diariamente, além do sentimento de desolação, o espanto e a incredulidade só foram superadas pela "pane canarinho". E o "PIBinho" da Dilma ? Piada ainda maior e de mal gosto tem um nome: Mantega, mais flagrante do que a mordida do Luiz Soáres !

Junte-se a isso o déficit crônico do regime geral de previdência social (tragédia anunciada), que a Lei Orçamentária Anual vem insistindo em provisões sucessivas de menos de 10% do fechamento das contas dos Ministérios da Previdência Social e Fazenda a cada ano; os preços administrados represados (energia e combustível, principalmente), uma verdadeira bomba-relógio a ser detonada no início do ano que vem (ano de eleição nada acontece). A destruição da Petrobrás e da Eletrobrás, para citar apenas os casos mais contundentes. A crise, agora crônica, do abastecimento de água; a necessidade passada de investimentos em infraestrutura básica e em todos os serviços fundamentais - saúde, educação, transporte público e segurança. Tudo isso se torna mais visível no rosto cansado do brasileiro, que aproveitou a maré boa com juros baixos, queda de IPI para carro e linha branca, inflação baixa e forte oferta de crédito. Agora, endividado, prioriza os seus gastos e restringe os seu consumo. Joga na retranca, arriscando um ou outro contra-ataque...

O risco de uma inflação galopante retornar ao panorama nacional, pois os patamares atuais já passaram e muito do nível de alerta necessário; agravado ainda mais pela contração da disponibilidade do dólar, resultado da evasão do investidor estrangeiro, da retomada americana - reforçados pelas avaliações sucessivas e negativas das agências de classificação de risco (ratings). Uma "lavada" muito superior aos "7 a 1" !

Dessa forma, qualquer um que vença a eleição para presidente, terá pouco espaço para manobras. Sua Dilma Bolada está com uma crescente taxa de rejeição. Sua incompetência e impopularidade vêm atingindo todos os segmentos da sociedade: médicos, empresários, professores, trabalhadores em geral. A classe média continua firme em sua oposição, quase sempre "calada", mas afirmativa. E a classe baixa tem se dividido, pois a bolsa-prá-isso-e-aquilo não é mais suficiente - e a copa de primeiro mundo, com os seus gastos extravagantes, mostrou um contraste gritante com o dia a dia do nosso quarto mundo. Sem dúvida, a copa e o resultado desastroso do Felipão & Cia contribuem para o estado de espírito nacional e terão efeitos benéficos para as eleições.

É, meu amigo, "para todo lado que se olhe, o urubu é preto !"

Preta também é a cor do luto desta semana com a morte dos craques literários: Robben Alves, James Ubaldo e Ariano Schweisteiger...

Vida Longa & Próspera !

quarta-feira, maio 22, 2013

A Saga Continua....



Após quatrocentos e vinte e dois tiros de laser tendo como alvo a sua retina do olho esquerdo, o jogador, no caso o Dr. Cristiano, parecia bem satisfeito com o seu desempenho. Em frente ao equipamento de laser a argônio, espécie de videogame oftalmológico, Fernando vislumbrava o joystick se movimentando e o polegar do retinologista pressionando o botão de tiro. Como em uma nave intergalática combatendo inimigos do mal. O jogo durou pouco mais de vinte minutos e a cada disparo via um fototorpedo multicolorido vir em direção ao olho anestesiado. Após cada impacto um pequeno incômodo parecido com uma pressão concentrada e surda aguçava o seu cérebro. Para se distrair da situação torturante contava os disparos e os segundos para que a batalha terminasse. Ao seu lado direito uma luz rósea era direcionada ao seu olho e os seus ouvidos recebiam instruções para posicionar os seus olhos a fim de facilitar o bombardeamento.

Enquanto isso, repassava a razão de estar ali, sentado imóvel em uma cadeira, com a sua testa e queixo pressionados na máquina de aparência simples e inofensiva. A sala estava na penumbra e silenciosa. Fotocoagulação Profilática da Retina era o nome técnico do procedimento que estava em curso. Fora detetada uma região da retina com degeneração em treliça que acomete não mais do que dez porcento da população. Nesta condição o tecido retiniano encontra-se afinado, atrofiado e com vasos sanguíneos fibrosados levando a um padrão em treliça. Lembrava-se bem do que havia pesquisado em sua consulta particular ao Dr. Google. Esses conceitos básicos reforçavam o que havia ouvido durante a sua consulta. E o procedimento se aplicava principalmente pelo fato de ter ocorrido o descolamento de retina no seu olho direito, o que o caracterizava agora como um paciente sintomático.

Os gêmeos continuavam a preocupar e era necessário prevenir possível recorrência, desta feita no olho "bom", que ganhara a probabilidade de quase quarenta porcento de acompanhar o seu gêmeo traumatizado. Não que tivesse percebido qualquer "flash" em sua visão periférica [fotopsia], mas a preservação do gêmeo mais competente era uma missão imperativa. O tiro a laser tinha como finalidade causar uma pequena cauterização para selar os vasos sanguíneos. Isso proporcionaria uma adesão maior e mais sólida entre a retina e a coroide subjacente, prevenindo assim uma eventual infiltração do humor vítreo em caso de rotura. Tudo isso o fazia lembrar de aulas de biologia longínquas e macabras.

Após a batalha interestelar, colocou os seus óculos de sol e permaneceu sentado na recepção em estado de suspensão. Resultado imediato: visão completamente embaçada e um pequeno desconforto generalizado no olho esquerdo.

O medo e a insegurança vinham acompanhando Fernando desde que o seu olho direito ficara comprometido. E se algo semelhante acontecesse com o gêmeo bom ?

O gêmeo ruim recebera o apelido de 20/70, o que significava, em termos práticos, que enxergava posicionado a seis metros de distância, o que uma pessoa com visão normal, 20/20, enxergaria a vinte e um metros. Além do mais percebia distorções nas duas direções tornando um reticulado de quadrados perfeitos em um aramado retorcido. Este fora o resultado de sua odisseia retiniana após dois meses do evento cirúrgico.

Esse painel de imagens e informações passaram rapidamente pela mente de Fernando enquanto se recobrava em silêncio.

Voltou caminhando para a sua casa com a pior visão de sua curta história. Os gêmeos estavam tristes e cabisbaixos.

terça-feira, março 26, 2013

Gêmeos





Deitado na cama do quarto insípido do hospital, Fernando ainda não tivera tempo de processar os últimos eventos. Acabara de tirar as suas roupas de sempre sob o olhar apreensivo de sua esposa. Uma espécie de fino roupão azul agora cobria o seu frágil corpo. Uma pulseira de identificação em seu braço esquerdo completava o figurino.

Ao ver a sua imagem refletida no espelho, parecia não reconhecer o seu reflexo que ali o acusava. No armário espartano depositara o seu saco preto e disforme, estampado com aquele sorriso cínico e arqueado. Pendurou a sua jaqueta ainda úmida pela fina chuva que a todos castigava nesta manhã de terça-feira.

Chegara ali caminhando ao lado de Juliana em silêncio, cumprindo o curto trajeto entre a clínica oftalmológica e o hospital. Observara as árvores do parque, formatos e cores, como se fosse a primeira e última vez. Uma mancha aquosa e ameaçadora teimava em atrapalhar as linhas e superfícies conhecidas, quando intencionalmente tampava o seu olho esquerdo, como que a checar a realidade distorcida em que se encontrava. Juliana adivinhava e compartilhava os seus pensamentos. Com passos arrastados andavam como se dividissem uma velha arca, repleta de objetos desconhecidos, que custavam a ser transportados.

Uma enfermeira simpática interrompe de forma abrupta as imagens de sua mente e com precisão obtém a pressão e a temperatura corporal por meio de instrumentos conhecidos. Tranquiliza a todos apresentando os dados coletados. Sinaliza que a equipe médica já se encontra presente e que a qualquer momento o levarão para um passeio cirúrgico.

                                           ***

Na clínica médica, pontualmente às vinte horas, Fernando fora recebido pela primeira vez pelo Dr. Augusto. Embora jovem, mas contando com a sua experiência em atender pacientes entediantes, efetuou as perguntas de praxe e deixou que o senhor à sua frente contasse a sua história. Havia marcado um jantar com a sua namorada, mas havia ainda tempo para mais um relato comum.

Quase duas semanas atrás estivera em outro consultório oftalmológico em função de uma mancha ocular que aparecera repentinamente cerca de uma semana antes. Causava certa distorção visual, além do desconforto e apreensão. Entretanto, era pequena e parecia se mover ao exercitar o olho direito. Explicitou ao médico não se tratar das famosas "moscas volantes". Dilatou a pupila, examinou detidamente o grau de miopia de ambos os olhos, checou a pressão ocular e efetuou exame de fundo de olho. Conclusão: nada alarmante ou algo que em especial fosse notado. Prescreveu receitas para novos óculos e um colírio lubrificante. A mancha desapareceria em breve e não havia com o que se preocupar; terminou a consulta com um sorriso.

Uma semana se passara sem qualquer melhora aparente e ainda angustiado Fernando resolvera agendar nova consulta, desta feita com um profissional diferente que lhe confirmasse ou rebatesse o diagnóstico. Em função de outras experiências, algumas traumáticas, resolvera não consultar o Dr. Google, dada a sua tendência hipocondríaca e alarmante. Temia multiplicar os seus temores percorrendo caminhos com sinalizações dúbias e muitas vezes errôneas, já que tendia a aumentar e somatizar os sintomas. Preferiu acalentar uma visão mais otimista sobre o assunto. A consulta fora marcada para a semana seguinte. E lá estava ele, sentado, contando a sua versão dos fatos recentes.

A princípio, Augusto se concedeu o benefício da dúvida, mas lá no fundo a sua intuição lhe dizia se tratar de uma retinopatia hipertensiva, comum com o decorrer da idade e frente às respostas do paciente quanto ao tipo de atividade desempenhada, tensão e estresse, além de ser metódico e detalhista. Diabético ? Esperava constatar durante o exame de fundo de olho alterações vasculares na retina decorrentes da vasoconstrição e modificações estruturais na camada muscular e íntima dos vasos mais finos.


                                           ***
 
Bateram à porta e logo um enfermeiro franzino adentrou ao quarto com uma cadeira de rodas. Saudações amistosas de um palmeirense com orgulho ferido. Despedidas positivas e otimistas e lá estava Fernando percorrendo os corredores do hospital como se estivesse em uma parque temático de diversões. Parada temporária: sala pré-operatória, onde se abrigou em outra cama à espera do procedimento cirúrgico. Dra. Lucia, um rosto bonito e sorridente, se apresentou como a anestesista da equipe. Fez as perguntas usuais e minutos depois, em novo passeio, desta vez mais curto e usando a cama como meio de transporte, Fernando chegou ao seu destino final.


                                           ***

Dilatada a pupila e após inúmeros e repetidos exames, Augusto já tinha claro o diagnóstico mais grave. Tornou a examinar internamente a superfície do globo ocular e não havia qualquer dúvida, apenas sombras. O rasgo era grande na parte superior da câmara e o descolamento em sua parte inferior já estava a alcançar o meio da retina. Portanto, a mancha aquosa acusada pelo seu paciente conferia com aquilo que examinava. Tanto pior para o Sr. Fernando.

Durante os diversos exames feitos em sequência Fernando comparava a atitude do médico à sua frente com o profissional que visitara há duas semanas atrás. A bem da verdade ele herdara aquele oftalmologista já que o seu antecessor, que o atendera por inúmeros anos, havia falecido. Estava impressionado com os equipamentos e o profissionalismo. Apesar da aparente pouca idade do médico, este lhe passava uma certa segurança e simpatia. Torcia pelo melhor. Quase rezava pela confirmação do útimo diagnóstico, embora o seu pensamento analítico o contrariasse.


                                           ***

Foi sedado na sala cirúrgica e anestesiado localmente, próximo ao olho afetado, por uma seringa assustadora. Não sentiu nada, apenas apreensão. A sala estava fria; em torno dos dezoito graus para que não houvesse condensação nas lentes do microscópio. Consciente de tudo ao seu redor, Fernando, embora sem enxergar, adivinhava a sequencia de eventos e aguçava os seus ouvidos a fim de perceber a atmosfera da cirurgia ou qualquer indício negativo. Parecia uma reunião de amigos descontraídos. Assuntos variados intercalados por orientações, mas sem comentários sobre o procedimento em andamento. Sua respiração era regular, mas os seus pensamentos eram caóticos e sem sentido.

Uma hora e meia depois o cirurgião responsável, Dr. Cristiano, proclamou o final do espetáculo. Anunciou quase com orgulho que o procedimento obtivera sucesso. Fernando pensou logo em taças de champanhe e serpentinas coloridas. Agora precisava aguardar até o retorno ao seu quarto.

                                           ***

Descolamento da retina... - repetiu franzindo a testa.
Fernando já o adivinhara.
Augusto sentiu um certo desconforto ao explicar o caso ao paciente angustiado, mas de olhar firme que o encarava de frente. Já havia feito este discurso didático inúmeras vezes, mas a recepção pela plateia variava de caso a caso.

- Com a idade (sempre ela !) o humor vítreo, que preenche o globo ocular dando-lhe forma, vai naturalmente se condensando. E por arrasto e tração pode eventualmente causar pequenas fissuras e rasgos na retina, espécie de papel de parede intraocular que age como uma tela de projeção. Pessoas míopes acentuam a probabilidade e a incidência de casos de descolamento.

Fernando, que além de míope, possuía uma assimetria acentuada entre os dois olhos com diferença superior a três graus, assistia a tudo como se fosse um documentário. Lembrou-se involuntariamente de suas aulas de mecânica dos fluidos...
- O processo de descolamento é rápido e a situação é grave.

Necessitava de cirurgia urgente, único procedimento aplicável.
- Será amanhã. - decretou o médico.

Ainda sob o duro impacto, Fernando perguntou sobre a rapidez do processo de degradação, bem como do diagnóstico errôneo do médico consultado há duas semanas atrás. Politicamente ético, o Dr. Augusto eximiu o seu colega dizendo que o processo é progressivo e rápido e enfatizou a atitude acertada do paciente de procurar uma segunda opinião. Acrescentou que não seria o responsável pela cirurgia, e sim o Dr. Cristiano, especialista em retina, e que deveria retornar à clínica logo pela manhã cedo para avaliação e definição do horário da cirurgia. Deveria voltar para casa e jantar, e logo em seguida permanecer em jejum até o dia seguinte.

Augusto imaginou o emaranhado de pensamentos e emoções que atacavam Fernando naquele exato momento. Dirigiu algumas instruções às atendentes quanto ao agendamento de consulta para o dia seguinte em caráter extraordinário e ligou para o cirurgião.

- Exato. DR Mácula 1. - foi o código secreto transmitido.

Fernando caminhou até a sua casa acompanhado de pensamentos sombrios.


                                           ***

Após o período de observação do pós-operatório e agora tendo um tampão e um enorme curativo no olho direito, Fernando descansava e trocava palavras com a sua irmã e esposa, que haviam permanecido em vigília. O jantar leve e insosso ao final da tarde. Burocracias hospitalares e estava liberado para retorno ao lar com ordens expressas de permanecer em repouso absoluto. Passar a noite revezando entre a poltrona da sala por um período de quatro horas e outro de uma hora deitado de lado em sua cama. Um castigo exemplar. Consulta no dia seguinte para a retirada do curativo e novas instruções militares de cuidados intensivos nos primeiros quinze dias. Fernando prontamente bateu continência ansioso por voltar para a casa. Aparentemente tudo saíra como planejado. "Planejado por quem ?".


                                           ***

Dr. Cristiano se apresentou como um médico jovem, entre trinta e trinta e cinco anos, dinâmico, de olhar franco e conversa  amistosa. Um profissional bem sucedido e articulado da nova geração. Fernando e Juliana se sentaram e repetiram o relato dos últimos acontecimentos. Nova avaliação foi feita, mais meticulosa e demorada. Perguntas e comentários de parte a parte. Uma ansiedade no ar.

Confirmado o veredito de forma direta e clara, passou a explicar o ocorrido fazendo uso de um modelo de plástico desmontável. Descuidado, deixou cair o cristalino na mesa. Um arrepio indelicado percorreu toda a extensão da espinha de Fernando. Como um professor universitário explicou os métodos a serem aplicados durante a cirurgia:

- A vitrectomia posterior é o procedimento aplicável ao caso do senhor. O humor aquoso é retirado do olho lesionado através de três ou quatro microincisões na parede anterior do olho. A gelatina é drenada por trás do rasgo existente e a lesão é cauterizada com o uso de um endolaser. Em seguida a câmara intraocular é preenchida com gás ou óleo de silicone, dependendo da gravidade encontrada. Dá-se preferência pela aplicação do gás, pois este é absorvido gradativamente pelo organismo. O óleo de silicone por não possuir esta propriedade resulta na necessidade de nova cirurgia para a sua retirada.

- Durante a intervenção pode-se associar à vitrectomia a introflexão escleral, que tem a finalidade de se suturar ao redor do olho um segmento composto de silicone a fim de que ele fique posterior a todas as roturas que geraram o descolamento de retina. - a necessidade da aplicação desta "cinta" seria avaliada durante a cirurgia.

Embora a mancha visualizada por Fernando fosse na região inferior próxima ao nariz, por ser o globo ocular uma câmara ótica, e por conseguinte, invertida, o descolamento se localizava no pólo oposto e pela ação da gravidade sobre o fluido gelatinoso infiltrado no rasgo, descia rapidamente em direção à base do globo. Daí a necessidade da urgência no procedimento cirúrgico, explicava em tom alto e didático o médico.

Cristiano fez uma pausa enquanto pensava se estava sendo claro o suficiente e se não estava deixando escapar alguma informação importante. Após limpar a garganta prosseguiu:

- É um procedimento delicado, mas que faz parte do nosso dia a dia. A duração da cirurgia varia de caso a caso. De uma a uma hora e meia. Tão importante quanto a cirurgia neste caso é o pós-operatório. Pois em muitos casos, embora a cirurgia tenha sido bem sucedida, o resultado é comprometido no período após o procedimento. Como o rasgo da retina se encontra na parte superior do olho, por um período de duas semanas o senhor deverá permanecer com a cabeça na posição vertical, de tal forma que o gás inserido exerça pressão sobre a região da retina "recolada". Isso inclui dormir sentado, evitar movimentos bruscos, resguardo para evitar inflamações e infeccções. O gás demora de quatro a seis semanas até ser totalmente absorvido pelo organismo. Neste período o senhor não enxergará nada, mas não se assuste. Isso é em consequência do gás que difrata a luz. Farei o acompanhamento da evolução do quadro neste período e a avaliação de visão será efetuada após este período crítico de recuperação.


                                           ***

Depois das reviravoltas do dia, Fernando estava sentado em sua velha poltrona. Com as pernas esticadas apoiadas em um puff de mesma estampa, sentia o desconforto natural do procedimento invasivo e tentava colocar os seus pensamentos em ordem. Estava agradecido pelo rumo que as coisas haviam tomado após a consulta com o Dr. Augusto. Não estava certo quanto aos sentimentos que nutria pelo oftalmologista que o induzira ao erro. Teria sido negligente ?  Lembrava-se da pequena mancha e acreditou naquela altura no diagnóstico recebido. Durante a semana seguinte não percebeu qualquer evolução ou mudança aparente na mancha. Talvez tenha sido enganado pelo olho esquerdo que supria o direito minimizando o desconforto. Sentia-se um trapalhão incompetente ao lidar com os alarmes do próprio corpo. Não cansava de revisar os dias passados, as ações tomadas, os pensamentos e sintomas daquele período. Agora era tarde. Consolava-se com o fato de estar diagnosticado e fazendo aquilo que supostamente deveria fazer. Sabia que isso não era suficiente para mantê-lo em paz com a sua consciência. Após o dia exaustivo procurou dormir, sentado.


                                           ***

- Sequelas ? - perguntou Fernando ainda assimilando a longa exposição.

- Haverá uma perda. Difícil precisar o índice de visão após a cirurgia. A recuperação é bastante lenta e gradativa. Somente após a total absorção do gás poderemos avaliar o nível de visão do olho afetado. Mas lembre-se que a princípio, seja qual for a porcentagem recobrada se comparada à perda do olho.... - consolou a figura de branco à sua frente.

- Voltarei a dirigir em quanto tempo ? - perguntou Fernando sem emoção.

- No mínimo daqui a dois meses. E o processo total de recuperação em seis meses. É bastante tempo... - o tempo é a cura para todos os males Fernando viu acender em sua mente tubos de neon.

- O senhor possui ainda uma leve catarata, que em casos de liquidificação do fluido vítreo e descolamento de retina é acelerada. Provavelmente ainda neste ano deverá passar por uma cirurgia de catarata. - o oftalmologista tirava de sua pequena caixa de surpresas imagens distorcidas em preto e branco, embora Fernando mantivesse a sua aparente calma.

- A cirurgia seria nesta noite ? - tentava confirmar os dados repassados na noite anterior.

- Preferia que fosse, mas o centro cirúrgico já está reservado. Como amanhã estarei fora de São Paulo e dada a urgência da situação proponho que seja feita hoje à uma da tarde. E então, o que decide ? O quadro é claro e pronunciado e qualquer oftalmologista indicará o mesmo procedimento....


                                           ***

Ao acordar de uma noite fantasmagórica e fragmentada tomou um rápido banho procurando não  molhar a bandagem. Um café da manhã leve e às nove britanicamente se apresentava a clínica acompanhado de Juliana. Sua irmã havia providenciado sua carona e logo estaria ocupando outra cadeira ao seu lado. Todos na recepção o trataram com atenção e interesse e pareciam se importar com as suas experiências mais recentes. Embora não fosse ingênuo, se sentiu bem diante do sorriso das pessoas. Logo foi chamado pelo Dr. Cristiano, que obviamente tivera uma esplêndida noite, tamanha a disposição em que se encontrava. Convidou-nos a sentar enquanto perguntava como havia passado a noite.

Após breve relato ressaltou a importância de seguir as orientações para o correto posicionamento do gás e o período de resguardo a fim de evitar desnecessárias complicações. Pediu a Fernando que sentasse em seu trono médico e retirou cuidadosamente a bandagem e o tampão, seguido de novo exame no olho lesionado.

- A cirurgia correu muito bem e a quantidade de gás injetada está ocupando acima de noventa porcento do olho. Como havia algumas irregularidades da retina no lado de baixo do globo ocular é necessário o revezamento de posição. A vermelhidão do olho é normal em função das incisões feitas e do rompimento de pequenos vasos sanguíneos.... Como havia dito não se assuste por não enxergar nada, é normal.....

A sensação era uma mistura de alívio pela retirada de curativo combatido pelo medo, pois enxergava tudo acinzentado e difuso, além de um a dor que assemelhava-se a grãos de areia raspando uma superfície de cristal. Ganhou uma amostra de um colírio,  Zypred, a ser aplicado de três em três horas e logo estava de volta a sua casa para um período de retiro visual.


                                           ***

Em frente ao espelho o seu olho esquerdo fez uma minuciosa inspeção em seu gêmeo abatido. Não o reconheceu de imediato tamanho a vermelhidão e a dificuldade dele de se manter aberto. A luminosidade aparentemente o incomodava. Por sua vez, ainda que tímido, o direito tentava retribuir a mesura. Esforçava-se, embora não o enxergasse em meio a bruma espessa, intransponível. Esta obstrução involuntária o entristecia e o fazia temer pelo futuro próximo. Sentia-se fragilizado, embora seu igual demonstrasse compaixão e solidariedade muda. Companheiros inseparáveis, amigos verdadeiros, reconhecia  agradecido, a presença mais forte de seu irmão, sempre a supri-lo nas tarefas mais banais e no contínuo auxílio para a composição mais real da imagem a ser transmitida ao seu condutor. Um trabalho em equipe com neurônios profissionais, que na prática compensava a falta da profundidade da visão em duas dimensões. Seu irmão gêmeo transmitia a ele força e determinação. Sempre fora o mais frágil dos dois e durante anos era o que apresentava maior dificuldade nos exercícios ortóticos semanais. Mas na situação atual estava completamente subjugado e dependente do seu par mais saudável. Daqui para frente teria que redobrar os seus esforços para não sobrecarregá-lo em demasia. Com nova disposição interiorizou esta meta com firmeza. Piscou como um sorriso.

Fernando apagou as luzes dando por encerrada a cena fraterna.  Ainda perplexo sentou-se em sua poltrona de frente ao janelão de sua sala. Lá fora o sol a caminho do seu ápice diário dava forma e volume à paisagem urbana, acentuando linhas e cores. O céu muito azul recebia nuvens brancas aconchegantes proporcionando uma sensação de amplidão e profundidade. Um bonito quadro emoldurado pelo frio e geométrico alumínio das portas corrediças. Colocou os seus fones de ouvido. Schiff interpretava a última sonata de Schubert, sua predileta. Ao concentrar-se nas notas do piano que desfilavam em sua cabeça, gradativamente os gêmeos cessaram o seu diálogo visual.

sexta-feira, abril 06, 2012

Jovens Adultos [Young Adult, 2011]



O reencontro da dupla Jason Reitman [diretor] e Diablo Cody [roteirista] após o intervalo de 4 anos [Juno, 2007] não poderia ser mais feliz nesta produção, "Jovens Adultos" [Young Adult, 2011], tendo à frente a talentosa e deslumbrante Charlize Theron.

Mavis Gary está com 37 anos. É uma 'ghost writer" de uma série de livros infanto-juvenis, que já teve os seus dias de glória,e que trata de "aborrescentes" em eterna crise existencial e de afirmação, cheios de energia e com os seus hormônios efervescentes. Sua vida é uma reunião de desencontros pessoais e afetivos. Seu apartamento, um caos largado em Minneapolis, onde trabalha e se "larga". O momento: mudanças !



Com o toque personalíssimo da roteirista, antes de tudo, inquietante e transgressora, Mavis retorna à sua pequena cidade interiorana, Mercury, com o objetivo de reconquistar o seu grande amor em tempos de colégio, que agora está casado e com uma bebê recém-nascida. E feliz !

A personagem de Charlize é aquela gostosa dos tempos de escola, insuportável, narcisista, ególatra e egoísta. Invejada, desejada, mas nada confiável e maquiavélica. E é difícil acompanhar a sua trajetória, ainda que constrangedora e previsível, sem o amargor da rejeição. Ainda mais considerando os seus objetivos alucinados transvestidos de arrogância e uma crise de TPM interminável. Recém-divorciada, possui a maturidade de seus personagens juvenis com suas fantasias e determinações razas e passionais.



Patrick Wilson [da série "A Gifted Man"] encara Buddy Slade, mais do mesmo, faz o pai de família convencional, outrora popular. E a grande sacada do filme fica por conta do ótimo Patton Oswalt como aquele colega invisível e boa praça, relembrado por Mavis apenas por ter sofrido um ataque homofóbico na escola. A conexão que se desenvolve entre estes dois opostos é o que de mais intrigante e tocante tem o filme. Também é responsável pelas tiradas cômicas em cenas que ficarão se movimentando nas mentes dos que forem assistir ao filme.

Com esta trinca de protagonistas inesperada o roteiro de Cody vai revelando detalhes da vida dos personagens de forma consistente nas mãos de Reitman. Charlize está ótima em sua caracterização de difícil digestão, mas que passa credibilidade e substância, principalmente nos diálogos com Oswalt encarnando Matt Freehauf.

Nos surpreendemos no início, discordamos e nos constragemos durante a trama, e ao final, torcemos e nos tornamos amigos de Mavis Gary !

Everyone gets old. Not everyone grows up."

sábado, março 31, 2012

A Visita Cruel do Tempo !



Escrito pela norte-americana Jennifer Egan, vencedora do Pulitzer de Ficção e do National Book Critics Circle Award de 2011, "A Visita Cruel do Tempo" (A Visit From The Goon Squad) exibe o seu virtuosismo literário através de histórias curtas, independentes como contos, que poderiam sobreviver autonomamente, sempre narradas por um diferente personagem em épocas distintas dentro de um período de vinte anos, dos anos 70 de San Francisco a New York mais recente. O mais interessante é que as narrativas apresentam perspectivas minimalistas que aos poucos se entrelaçam e revelam detalhes de um panorama maior, como em um caleidoscópio. O título em português pouco ajuda e esconde uma técnica de escrita apurada costurando as vidas de Bennie Salazar, Sasha e outros personagens cativantes. Um livro acima de qualquer expectativa !

A autora escreveu os seguintes romances, que já estão em minha wishlist:
- Emerald City (short story collection) (1993, UK; released in US in 1996)
- The Invisible Circus (novel) (1995)
- Look at Me (novel) (2001)
- The Keep (novel) (2006)
- A Visit From the Goon Squad (novel) (2010)


"I wanted to avoid centrality. I wanted polyphony. I wanted a lateral feeling, not a forward feeling. My ground rules were: every piece has to be very different, from a different point of view. I actually tried to break that rule later; if you make a rule then you also should break it!"

"I don’t experience time as linear. I experience it in layers that seem to coexist…One thing that facilitates that kind of time travel is music, which is why I think music ended up being such an important part of the book. Also, I was reading Proust. He tries, very successfully in some ways, to capture the sense of time passing, the quality of consciousness, and the ways to get around linearity, which is the weird scourge of writing prose."

terça-feira, março 27, 2012

Nihonjin



Oscar Nakasato, vencedor do 1o. Prêmio Benvirá de Literatura, com uma narrativa direta e interessante sobre o imigrante japonês, Hideo Inabata, e a sua jornada através da lavoura de café das fazendas do interior paulista, passando pela 2a. grande guerra e chegando aos nossos dias. As diferenças culturais, dificuldades com a língua e costumes locais, saudades da terra natal, a reafirmação de valores e a forçada adaptação ao país que o acolheu, tornam a leitura um vislumbre da imigração e do pensamento japonês.

Segundo o autor, embora lance mãos de lembranças familiares, o livro não é autobiográfico. Antes de ser lançado pela Saraiva, foi recusado pelas doze principais editoras do país, entre elas a Cia. das Letras e Record. É Professor da Universidade Tecnologia Federal do Paraná, em Apucarana, leciona Língua Portuguesa e Literatura para o Ensino Médio e Produção de Texto e Comunicação Linguística, nos cursos superiores de Engenharia, Tecnologia e Licenciatura.

Recomendo !

domingo, março 25, 2012

Gratidão

Além das belas imagens, realmente impressionantes, o texto, delicado e cativante, de Louie Schwartzberg sobre a Gratidão com a narração de uma criança sobre as descobertas e de um idoso sobre os presentes que recebemos diariamente e não temos olhos, ouvidos e sentimentos para perceber, causam uma sensação boa de embevecimento. Faz a gente pensar e focar naquilo que realmente importa e não nas distrações do dia a dia.

segunda-feira, março 19, 2012

A Dama de Ferro



The Iron Lady, 2011

Cinebiografias de modo geral possuem um forte apelo, ainda mais se tratando de personagens que modificaram a nossa história de maneira tão contundente como é o caso de Margaret Thatcher. Sua importância, personalidade e alcance contém inúmeros predicados, embora contraditórios e longe de uma unanimidade estúpida. O filme foi além das minhas pobres expectativas, apesar da presença de Meryl Streep, sem dúvida, uma das grandes atrizes de todos os tempos. Surpreende pelo enfoque dado, uma visão particular, distorcida e retroativa de uma idosa que sofre de Alzheimer e que fez história com "H" maiúsculo enfrentando o machismo, Malvinas e sindicatos. Mais do que um simples veículo para fazer brilhar os dotes excepcionais da atriz, exibe de forma coerente, dentro da proposta da diretora Phyllida Lloyd, pinceladas mescladas da vida pública e privada. Não é um grande filme e será certamente esquecido, mas não deixa de ser interessante e enriquecedor. Além de uma aula de interpretação !



domingo, fevereiro 12, 2012

A Vida é Bela !




A vida é bela !

Com esta frase em seu pensamento Marcelo se levantou domingo pela manhã.

Conferiu as horas no seu celular como de costume, levantou-se vagarosamente, calçou os seus velhos chinelos e se dirigiu ao banheiro. Neste pequeno trajeto lembrou-se da razão que o motivara a acordar tão cedo no domingo: Jardim Botânico.

Fazia muitos anos que ali estivera. Em seu consciente, ainda perturbado pelo sono interrompido, lembrou-se dos picnics adolescentes com a galera do conservatório e as celebrações de aniversários em dias ensolarados e despreocupados. O objetivo secreto em dar um passo a mais na conquista de sua futura namorada... Lucíola ! Agitada, corpo de violão, grandes olhos, sorriso contagiante. Cheiro gostoso de tempos distantes.

Enquanto se banhava assistia em sua pequena tela de cristal as imagens dos bancos de memória daquela época com satisfação e nostalgia.

Repassando agora os cincoenta anos suspirou com os múltiplos caminhos que a vida o havia conduzido. As escolhas por bifurcações difíceis e com placas enganosas. Os atalhos confusos e as trilhas pedregosas e fechadas. Momentos de indizível luxúria como os monumentais vales verdes e refrescantes, como a chuva inesperada e abençoada. A mata fechada e sufocante e a sensação de estar perdido.

Arrependido ? De forma alguma ! A felicidade é portátil... lembrou-se de seu amigo de todos os dias.

Sua vida atual, longe da descrição de manuais práticos ou romances maduros, continuava sem um destino delineado ou um alívio em progresso. Brigara com o mundo em todas as instâncias, em todas as frentes, múltiplas na maioria das vezes, com afinco e determinação. Agressivo ? Certamente... mas constante e coerente, ainda que muitas vezes equivocado. O trabalho atual inspirava cuidados. Em uma sala de recuperação e pós-operatório, pensamentos positivos para um futuro próximo alternados pela insegurança, remédios amargos e tratamento intensivo. Convicção de dias melhores, mas árduos. Como de costume, sem almoço grátis !

Preparou-se cuidadosamente cumprindo todas as etapas do ritual dominical. Mochila, cantil, botas... o amigo protetor ultravioleta. Chapéu recém-adquirido. O sol cúmplice despontando.

Vinte minutos depois estava de frente às catracas que delimitam as fronteiras do pequeno jardim remanescente da mata atlântica.

Um corredor de coqueiros o recebe como a um rei !
Enche os pulmões com sofreguidão e agradece pelo simples fato de existir. Embora tudo possa ser virtual e menos encantador do que a forma com que se apresenta, afastou Neo de seus pensamentos e concentrou-se nas formas de uma deliciosa Niobe à sua frente. Aos poucos foi se envolvendo com a paisagem desta manhã, única e planejada.

Pensava em seu velho pai, agora acompanhado pela sombra maligna do Alzheimer, estranho renitente presente em artigos científicos que gostava de ler em suas horas vagas e que tornara um obsessivo e angustiante estudo. O sorriso encorajador de sua mãe. O sofrimento silencioso de sua irmã querida. O grande desafio. As prioridades embaralhadas e esquecidas. O mundo aparentemente vazio, agora preenchido por cantos de pássaros escondidos.

O suor declarado misturando-se às lágrimas teimosas.

Para baixo olhou a sua sombra, conhecida e agora triste. A manhã de domingo, agora completamente desperta, trazia famílias em sua diversidade aparente, mas todas iguais em sua essência. Tolstói observador. Crianças alegres e solares, acompanhadas por pais descontraídos e sábios avós. Namorados enamorados... Gargalhadas infantis interrompidas por cantos da natureza.

Continua caminhando, agora em frente às estufas de suas memórias, imutáveis, brilhantes ao sol.

Nas laterais, escadarias de pedras irregulares que levam a portais inacabados, emoldurados por uma vegetação luxuriante, embora confinada e arredia. Seu pai, agora alegre com mais uma vitória do timão. A simplicidade nos gestos. O prazer em uma pizza de mussarela, sua preferida. O pastel de feira. Árias de Verdi. Admiração por Liz Taylor, rival de sua mãe. A paciência infinita em explicar repetidamente a importância de ser correto e honesto. Valores...

As lembranças de uma infância difícil, filho mais velho de uma família numerosa de imigrantes italianos. O casamento por convicção contra tudo e contra todos. A reprovação severa de uma família incompreendida, mas perdoada e justificada. As escolhas novamente difíceis, mas verdadeiras. O sonho em ser arquiteto, desfeito pela vida dura e por professores impiedosos, pregadores da arquitetura para ricos. A vida é bela, mas cara e cruel em suas particularidades. Os dias em uma pensão, quarto subterrâneo de uma cidade de sonhos. Janela com visão para o andar de pessoas apressadas.

Sobe as escadas e atravessa o portal. Stargate !
Ao passar por uma senhora simpática e de chapéu engraçado, é chamado em voz baixa, quase um segredo: "- Veja !"

Macaquinhos ariscos de olhar safado se divertem em brincadeiras inocentes por entre as folhagens de árvores circunspectas e serenas. Ficam incomodadas pelo agito intruso. Consolam Marcelo com suas travessuras, lembrando-o da vida que vale ser transposta em suas alegrias, incertezas e tristezas.
Puro encantamento !

Pequenos instantâneos de uma vida plena. Imediatamente se lembra do Deus de Spinosa: "Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Eu vivo e aí expresso meu amor por ti."

Longos momentos de gratidão em comunhão solitária e silenciosa.

Pelas alamedas do parque a visão do lago repleto de ninféias orgulhosas. Cativado, se detém em sua geometria exuberante e cores delicadas. Ouve a natureza mais uma vez. Cruza com um alienígena com os seus fones de ouvido. Água fresca em uma pausa merecida. Observa as pessoas com curiosidade. Câmeras sofisticadas. Diálogos superficiais. Admiração momentãnea e fugaz em diálogo com seres imortais e misteriosos.

Um bugio marrom-avermelhado se espanta com olhares curiosos, excitados lá embaixo; incompreensíveis. O ser humano, ser curioso e engraçado; pensa displicente. Um moinho d'água preguiçoso. Uma casa rústica para a alegria infantil e fotógrafos eventuais. Bambuzais organizados em uma descida de esperança. Um velho jipe militar com pedais, a alegria do natal, o sorriso paterno inesquecível. Fragmentos de uma infância feliz.

O fusca verde com bancos reclináveis, transformados em uma cama móvel pelas estradas do interior paulistano. Um sorvete de milho. Pão de semolina de um Frango Assado distante. Pescar no Lago Azul com uma varinha de condão. As tardes em um clube verdejante com batatas fritas. A piscina azul com estrias balouçantes de raias olímpicas desafiadoras. A mão firme e segura de seu pai zeloso. Tantas lembranças que começam a ser esquecidas por neurônios cansados causam revolta surda ao seu redor.

O abandono de dirigir, pequeno prazer, pelas ruas da cidade. O pânico súbito por não reconhecer onde está. A lista esquecida do supermercado. Tomou os remédios da lista infindável, ou em dobro ? A consciência da perda gradativa de estar consciente. Como em um sonho afastado, nebuloso e indefinido.

Calor úmido e abafado em uma visita à natureza organizada pelo homem. Estranha e tão insípida perante a grandiosidade e riqueza de nossas paisagens terrestres libertas, tão duramente castigadas.

Placas beta-amilóides acumuladas, uma forma de proteína, que corrói os contatos elétricos de nossas sinapses, tão necessárias ao desfrute da vida abençoada em um planeta condescendente, mas igualmente cansado.

Olha para o céu por instantes eternos em busca de esperança forte e acalentadora.
A aceitação dos acontecimentos sempre fora uma dificuldade para ele. Inconformado, questionador, resistente e lutador. O descrédito por um destino e o acreditar em sua força jedi bradando o seu sabre de luz; indignado e invencível. Sabia que participava, de forma intensa, de um desafio sem precedentes. Ansiava por diagnósticos milagrosos de Dr. House e queria contar com a bravura entrépida de Clint, Sly e Schwarzenegger. Com a energia e resignação de Daisy do conto de Fitzgerald. Por onde andará Tony Stark ?

Não acreditava em Deus. Longe de seus rituais sentia a ausência de conforto proveniente da fé. Acreditava na fé como forma de expressão suprema do cérebro pouco compreendido. A vibração, o foco, a energia advinda de um ponto central.
O estudo e o esclarecimento científico, analítico e racional, preenchiam apenas parte da angústia que sentia. O pensamento positivo, a força do acreditar e o fazer o melhor a todo instante complementavam o espírito de Marcelo.

Entre altos e baixos emocionais, buscava refúgio na natureza, se reenergizava... A beleza do parque, as flores e plantas desconhecidas, o pequeno calango que o observava desconfiado, os peixes vermelhos em vida artificial, patos acostumados ao som de maritacas vadias. O céu azul, nuvens carinhosas. O cheiro do verde, tão caro ao nosso absorto andarilho.

Viver intensamente !
Compartilhar momentos familiares e com as pessoas que lhe eram caras. Fazer o melhor ! Viver e ser melhor: sua missão. O privilégio de conviver tantos anos e de forma plena com seus pais. Gratidão.

Emoção infantil de um cincoentão. Marcelo esboçou um sorriso.
Respirou fundo.
Mais leve e agradecido continuou a sua jornada.
A vida é bela !







sábado, fevereiro 04, 2012

Estive no Paraíso !



Estive no Paraíso !

Mais precisamente no Alto Paraíso, que tecnicamente está mais próximo do Divino....
Foi assim: simples e natural. Sem muitas considerações, planejamento ou pensamentos. Querendo estar lá apenas. Se sentindo merecedor deste privilégio; mesmo sabendo que os portais poderiam estar fechados ou quem sabe, ser barrado pelos guardiões desta reserva natural, consagrada aos espíritos mais evoluídos e elevados.
Da decisão abrupta, o fluxo de acontecimentos foi contínuo e natural, sem problemas e aparentemente guiado por espíritos da terra: reserva de passagens com horários convidativos, valores sedutores, previsão do tempo com céu de brigadeiro após semanas de intermináveis e contínuas chuvas. Apertei o botão de "start" e deixei o resto fluir.....

Em um piscar de olhos estava desembarcando no pequeno aeroporto da capital federal.
Respirei fundo. Lembrei-me dos momentos agradáveis com a família em fotos rápidas tiradas instantaneamente das inúmeras e empoeiradas gavetas da minha memória. Preparado para a aventura ? Botas, protetor solar, repelente, bermudas e camisetas, chapéu emprestado do Indiana Jones (ou seria do Antonio Banderas ?), óculos de sol do Tom Cruise, pinta de James Bond cearense.....

Um garoto com cara de nerd me cutuca e pergunta em voz baixa:
- Onde você comprou esta camiseta ? Legal...
Respondi que havia ganhado e acrescentei:
- "Eat, sleep and play video" são coisas bem legais, certo ?
- As melhores !
Abri um sorriso em resposta e desisti de dizer outras mais divertidas...

O celular toca; minha carona cinco estrelas chegou !

A razão de minha viagem se materializou à minha frente com um largo sorriso. Emoção contida do reencontro e momentos depois estávamos nos perdendo pelo eixo monumental e pelas asas do distrito federal. Uma voz masculina perdida tagarelava sem parar tentando nos indicar o caminho mais acertado entrecortando as novidades de parte a parte. Um rápido passeio pelos principais cartões postais da cidade e já estávamos enfrentando os duzentos e trinta quilômetros que nos separavam do paraíso. O céu de um puro azul povoado por nuvens rosadas e púrpuras que flutuavam sem que percebêssemos os cordões que as sustentavam. Um horizonte vasto e longínquo se mesclava com as diversas tonalidades de verde recém-lavadas pelas últimas chuvas. Imediatamente todos os problemas da humanidade foram esquecidos ! Sorriso no rosto, olhos fixos em uma sequência de cenários magníficos, o coração feliz.

Soja, milho, feijão..... plantações ao longe entremeadas de montes assustadores de cupins e pastos com vaquinhas de presépio em movimento. Sol firme e majestoso tomando conta de tudo.

Uma parada para avistar o vale verde profundo sulcado pela erosão e que a nossa visão 3D tão pouco apreciada nos proporciona cenas cinematográficas, ao vivo e de beleza única. Impressionante, senti. A vontade de sentar em uma cadeira da natureza e esperar pelo pôr do sol. Uma árvore à beira da estrada anuncia providencialmente: "Só Jesus Salva". Neste momento tive a convicção que estava no rumo certo ao paraíso.

Uma plataforma de gosto duvidoso para receber o disco voador esperado anuncia a entrada da cidade. O misticismo que acompanha as belas paragens do local e a população, misto de nativos e visitantes, alternativos e ecoturistas, que chegam à Chapada dos Veadeiros em busca de comunhão superior e de um significado maior para a existência terrena.

Uma pousada rosada no meio de um jardim florido e verde onde a presença imponente de um velho jatobá demanda respeito pela lei maior da natureza. O céu muito azul me acompanha ao alto.

Conhecer a cidade simples e rústica. Aparentemente igual a tantas outras do interior deste imenso Brasil. Ruas limpas. Gente bem-humorada e sorridente. Longe da pressuposta ingenuidade e, apesar da estada como um forasteiro turista, o contraste com a urbanidade fria e apressada da metrópole, sua gente irritada em busca de um santo graal desconhecido, complicado e distante. Nasci na cidade. O meu conhecimento da flora se restringe a árvores, arbustos e grama. É um mistério total de onde as frutas são colhidas, o milagre da floração em seus milhares de tipos. Pássaros são pássaros e pertencem exclusivamente a esta categoria emplumada sem especificações técnicas que os diferenciem.... gatos e cães fazem parte do meu mundo doméstico. E só ! A ausência de um interesse mais pronunciado não se justifica. Estar no paraíso é uma aula de simplicidade ! Estar desconectado de tudo e de todos nos faz enxergar que necessitamos de muito pouco para vivermos bem, em harmonia com o que nos cerca e, principalmente, com a gente mesmo. Damos prioridades a coisas sem importância e perseguimos metas que a sociedade e o consumo de massa nos impõem. Em um local assim a sofreguidão e dependência do mundo virtual deixam de ter qualquer sentido. A simplicidade ficou estampada em meu cérebro com seus poucos neurônios especialistas em ebulição...

Pausa para um delicioso sorvete de frutos do cerrado: jatobá, aracutim, cagaita, buriti ! Exóticos e saborosos... ao som de músicas sertanejas que contam causos de amores frustrados, infidelidades e muita dor de cotovelo goiano...

Felicidade é acordar de madrugada e se deslumbrar com o céu estrelado e brilhante, que nos acostumamos a ver em fotos [retocadas por photoshop ?] ou em filmes juvenis. Esperar o sol se levantar por trás das chapadas perfileiradas em camadas ao longe. Praticar Lian Gong sentindo o cheiro do mato, tentando localizar grilos falantes e cigarras madrugadoras. Apurar os sentidos.... onde e quando fazemos isso em nossa importante e atribulada vida urbana ?

As cores violáceas vão despertando com o dia.
Tucanos aos pares nas árvores. Sem cerimônia mostram a sua vida familiar em um alegre café da manhã.
Uma nuvem de maritacas fofoqueiras invade as árvores da pousada. Contam freneticamente todas as novidades do paraíso.
Araras escandalosas fazem parte do cotidiano do lugar.
Ver, ouvir, cheirar para guardar a sensação da felicidade simples e corriqueira.

Durante os dias conhecer exuberantes cachoeiras e corredeiras que se apresentam depois de caminhar longos quilômetros por trilhas solitárias. Vales, chapadas, montes, rios em sucessão. O indescritível momento de se descobrir o salto vertiginoso de água volumosa e barulhenta. A insignificância do ser humano perante o espetáculo que nos foi legado. E como a inconsequência, a irresponsabilidade, o espírito destruidor e ganancioso do homem causam a repugnância em seu mais alto grau. Fiquei a pensar que todos deveriam conhecer lugares assim para se conscientizarem da beleza de nosso planeta e se tornarem ativos na preservação do meio ambiente. Lembra muito as apresentações PPS que recebemos diariamente, óbvias, mas verdadeiras. Assim como reforçou o meu conceito de que as crianças precisam ter animais de estimação para uma conexão afetiva que as leve a respeitar, cuidar e preservar. As pessoas que moram no paraíso ou em ambientes rurais e pequenas cidades possuem em suas casas um pomar, uma horta. Árvores antigas que passam de geração para geração ou que são apreciadas e preservadas por novos inquilinos ou proprietários. Se habituam a ver as plantas e árvores crescerem e a se beneficiarem de seus frutos. Respeitam as estações: chuva ou seca. Aceitam os caprichos da natureza. A essência da educação ambiental. Claro que há as queimadas assassinas provocadas por proprietários de terra inescrupulosos. Nem mesmo o paraíso está livre de tais espíritos predadores.

Outro pensamento que me ocorreu: temos o mau hábito de querermos ter as coisas, possuir e não apreciar, compartilhar ! A natureza é silenciosa e nos ensina o tempo todo... está lá, com seu dinamismo harmonioso, vinte e quatro por dia, sete dias por semana. Basta ter olhos para apreciar !

O dia da volta chegou.
Uma chuva impiedosa, zangada pela ingratidão daqueles que ousam deixar o paraíso.
Tristeza profunda, mas com o espírito renovado. Viver no paraíso, ainda que por poucos dias deixou certamente marcas indeléveis por todo o meu ser.
A estrada de volta se tornara imagem de um video game alucinante, onde a habilidade de um mestre motorista foi requisitada ao extremo. Buracos de todos os tamanhos e formas, que mais lembravam crateras lunares, se espalharam por todo o asfalto. Lembrei-me de Han Solo e sua Millenium Falcon atravessando cinturão de asteroides ao ser perseguido por caças da federação ! Emoção....

Sozinho na sala de embarque.
Imagens fortes de uma estada feliz. Já querendo retornar...

O choque do acordar !
Motorista de táxi mal humorado. Jogo de futebol no rádio.
Buzinas irritantes, concreto por todo lado, árvores enjauladas, céu opaco.
O retorno à vida de sempre. Será ?







terça-feira, janeiro 17, 2012

Para Pensar....



Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato.
E, então, pude relaxar.
Hoje sei que isso tem nome: Autoestima.

Quando me amei de verdade, pude perceber que minha angústia e meu sofrimento emocional, não passam de um sinal de que estou indo contra minhas verdades.
Hoje sei que isso é Autenticidade.

Quando me amei de verdade, parei de desejar que minha vida fosse diferente e comecei a ver que tudo o que acontece contribui para meu crescimento.
Hoje chamo isso de Amadurecimento

Quando me amei de verdade, comecei a perceber como é ofensivo forçar alguma situacão ou alguém, inclusive a mim mesmo, somente para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que não é o momento ou que a pessoa não está preparada.
Hoje sei que o nome disso é Respeito.

Quando me amei de verdade, comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável…
Pessoas, tarefas, toda e qualquer coisa que me pusesse para baixo.chamou a essa atitude de egoísmo.
Hoje sei que isso se chama Amor próprio.

Quando me amei de verdade, deixei de temer meu tempo livre, desistí de fazer grandes planos e abandonei os projetos megalômanos para o futuro.
Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio ritmo.
Hoje sei que isso é Simplicidade.

Quando me amei de verdade, desistí de querer ter sempre razão e, dessa maneira, errei menos.
Hoje descobri a Humildade.

Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de me preocupar com o futuro.
Agora, mantenho-me no presente, que é onde a vida acontece.
Hoje vivo um dia de cada vez.
Isso é Plenitude.

Quando me amei de verdade, percebi que a minha mente pode atormentar-me e decepcionar-me. Mas, quando a coloco a serviço do meu coração, ela se torna uma grande e valiosa aliada.
Tudo isso é SABER VIVER!

sexta-feira, março 18, 2011

Mensagem de Solidariedade ao Japão



Consternados com os terremotos e tsunami que assolaram a costa norte-nordeste do Japão, causando numerosas vítimas e enormes prejuízos, queremos manifestar a nossa mais profunda solidariedade para com o povo japonês.

A coragem e disciplina com que o povo vem enfrentando a tragédia, e a pronta ação das ...autoridades no socorro às vítimas, causam-nos admiração.

Inúmeros países vêm oferecendo ajuda, inclusive o Brasil, através do Governo Federal e da Embaixada Brasileira em Tokyo. As cinco entidades subscritoras desta mensagem já expressaram ao Senhor Cônsul Geral do Japão em São Paulo e ao Governo do Japão os sentimentos de solidariedade e a intenção de coordenar uma campanha de ajuda às vítimas.

Sabemos também da grande preocupação das pessoas que possuem parentes e amigos no Japão, e dessa angústia todos nós compartilhamos. É muito importante que as pessoas tenham notícias umas das outras, mas evitando sobrecarregar os meios de comunicação, atualmente precários no Japão. Informamos que no Google Finder está disponível o link http://japan.person-finder.appspot.com/, para busca e prestação de informações sobre pessoas.

Para a ajuda humanitária que estamos coordenando, foram abertas quatro contas bancárias especiais, nas quais poderão ser efetuados depósitos de qualquer valor.
Que a nossa contribuição, embora modesta, sirva de lenitivo para a grande dor e adversidade por que passa o povo japonês.

Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social
Beneficência Nipo-Brasileira de São Paulo
Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil
Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil
Aliança Cultural Brasil-Japão "





Campanha de Arrecadação às Vítimas do Japão


Foram divulgadas as contas para a Campanha de Arrecadação às Vítimas no Japão. As contribuições serão arrecadadas até o dia 30 de abril de 2011 e podem ser feitos depósitos de quaisquer valores. Ressaltamos que nenhum indivíduo está autorizado a coletar doações em... nome do Bunkyo e das demais entidades.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA JAPONESA E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - BUNKYO
CNPJ: 61.511.127/0001-60

BANCO BRADESCO
Agência: 0131-7
Conta Corrente: 112959-7

ou

BANCO SANTANDER
Agência: 4551
Conta Corrente: 13090004-4

Informações:
E-mail: contato@bunkyo.org.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
Tel.: (11)3208-1755
Fax: (11)3208-5519

FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE PROVÍNCIAS DO JAPÃO NO BRASIL - KENREN
CNPJ: 46.568.895/0001-66

BANCO DO BRASIL
Agência: 1196-7
Conta Corrente: 29921-9

Informações:
E-mail: info@kenren.org.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
Tel.: (11)3277-8569, (11)3277-6108 e (11)3399-4416
Fax: (11)3207-5224

BENEFICÊNCIA NIPO-BRASILEIRA DE SÃO PAULO – ENKYO
CNPJ: 60.992.427/0001-45

BANCO BRADESCO
Agência: 0131-7
Conta Corrente: 131.000-3

Informações:
E-mail: enkyodiretoria@enkyo.org.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
Secretaria: Gushiken (11) 3274-6482; Mutsuko (11) 3274-6484
Financeiro: Akiko (11) 3274-6489; Patrícia (11) 3274-6507

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

O Senhor está Brincando, Sr. Feynman?

Queria falar de um ídolo meu, o físico americano ganhador do Nobel em 1965 pelo seu trabalho em eletrodinâmica quântica, Mr. Richard Feynman. Um gênio ímpar, que além dos seus trabalhos em física teórica, foi pioneiro na área de computação quântica e no conceito de nanotecnologia. Isto em 1959 ! Trabalhou no Projeto Manhattan, publicou os famosos volumes Feynman Lectures on Physics, chefiou a comissão que investigou o acidente do ônibus espacial Challenger em 1986 e tocou bongô em uma escola de samba no Rio quando esteve lecionando no início da década de 50. Escreveu livros inesquecíveis, onde destaco "O Senhor está Brincando, Sr. Feynman ?" onde conta as suas experiências divertidíssimas em Los Alamos e no Brasil ! A excentricidade aliada ao gênio de curiosidade ilimitada que fez comentários ao ensino de física no Brasil há quase 60 anos atrás e que, infelizmente, são válidos até hoje. Segue uma transcrição destas observações....



Ensino da Física no Brasil segundo Richard Feynman

"Em relação à educação no Brasil, tive uma experiência muito interessante. Eu estava dando aulas para um grupo de estudantes que se tornariam professores, uma vez que àquela época não havia muitas oportunidades no Brasil para pessoal qualificado em ciências. Esses estudantes já tinham feito muitos cursos, e esse deveria ser o curso mais avançado em eletricidade e magnetismo – equações de Maxwell, e assim por diante.

Descobri um fenômeno muito estranho: eu podia fazer uma pergunta e os alunos respondiam imediatamente. Mas quando eu fizesse a pergunta de novo – o mesmo assunto e a mesma pergunta, até onde eu conseguia –, eles simplesmente não conseguiam responder! Por exemplo, uma vez eu estava falando sobre luz polarizada e dei a eles alguns filmes polaróide.

O polaróide só passa luz cujo vetor elétrico esteja em uma determinada direção; então expliquei como se pode dizer em qual direção a luz está polarizada, baseando-se em se o polaróide é escuro ou claro.



Primeiro pegamos duas filas de polaróide e giramos até que elas deixassem passar a maior parte da luz. A partir disso, podíamos dizer que as duas fitas estavam admitindo a luz polarizada na mesma direção – o que passou por um pedaço de polaróide também poderia passar pelo outro. Mas, então, perguntei como se poderia dizer a direção absoluta da polarização a partir de um único polaróide.

Eles não faziam a menor idéia.

Eu sabia que havia um pouco de ingenuidade; então dei uma pista: “Olhe a luz refletida da baía lá fora”.

Ninguém disse nada.

Então eu disse: “Vocês já ouviram falar do Ângulo de Brewster?”

– Sim, senhor! O Ângulo de Brewster é o ângulo no qual a luz refletida de um meio com um índice de refração é completamente polarizada.

– E em que direção a luz é polarizada quando é refletida?

– A luz é polarizada perpendicular ao plano de reflexão, senhor. Mesmo hoje em dia, eu tenho de pensar; eles sabiam fácil! Eles sabiam até a tangente do ângulo igual ao índice!
Eu disse: “Bem?”



Nada ainda. Eles tinham simplesmente me dito que a luz refletida de um meio com um índice, tal como a baía lá fora, era polarizada: eles tinham me dito até em qual direção ela estava polarizada.

Eu disse: “Olhem a baía lá fora, pelo polaróide. Agora virem o polaróide”.

– “Ah! Está polarizada”!, eles disseram.

Depois de muita investigação, finalmente descobri que os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer. Quando eles ouviram “luz que é refletida de um meio com um índice”, eles não sabiam que isso significava um material como a água. Eles não sabiam que a “direção da luz” é a direção na qual você vê alguma coisa quando está olhando, e assim por diante. Tudo estava totalmente decorado, mas nada havia sido traduzido em palavras que fizessem sentido. Assim, se eu perguntasse: “O que é o Ângulo de Brewster?”, eu estava entrando no computador com a senha correta. Mas se eu digo: “Observe a água”, nada acontece – eles não têm nada sob o comando “Observe a água”.



Depois participei de uma palestra na faculdade de engenharia. A palestra foi assim: “Dois corpos… são considerados equivalentes… se torques iguais… produzirem… aceleração igual. Dois corpos são considerados equivalentes se torques iguais produzirem aceleração igual”. Os estudantes estavam todos sentados lá fazendo anotações e, quando o professor repetia a frase, checavam para ter certeza de que haviam anotado certo. Então eles anotavam a próxima frase, e a outra, e a outra. Eu era o único que sabia que o professor estava falando sobre objetos com o mesmo momento de inércia e era difícil descobrir isso.

Eu não conseguia ver como eles aprenderiam qualquer coisa daquilo. Ele estava falando sobre momentos de inércia, mas não se discutia quão difícil é empurrar uma porta para abrir quando se coloca muito peso do lado de fora, em comparação quando você coloca perto da dobradiça – nada!

Depois da palestra, falei com um estudante: “Vocês fizeram uma porção de anotações – o que vão fazer com elas?”

– Ah, nós as estudamos, ele diz. Nós teremos uma prova.

– E como vai ser a prova?

– Muito fácil. Eu posso dizer agora uma das questões. Ele olha em seu caderno e diz: “Quando dois corpos são equivalentes?” E a resposta é: “Dois corpos são considerados equivalentes se torques iguais produzirem aceleração igual”. Então, você vê, eles podiam passar nas provas, “aprender” essa coisa toda e não saber nada, exceto o que eles tinham decorado.

Então fui a um exame de admissão para a faculdade de engenharia. Era uma prova oral e eu tinha permissão para ouvi-la. Um dos estudantes foi absolutamente fantástico: ele respondeu tudo certinho! Os examinadores perguntaram a ele o que era diamagnetismo e ele respondeu perfeitamente. Depois eles perguntaram: “Quando a luz chega a um ângulo através de uma lâmina de material com uma determinada espessura, e um certo índice N, o que acontece com a luz?

– Ela aparece paralela a si própria, senhor – deslocada.

– E em quanto ela é deslocada?

– Eu não sei, senhor, mas posso calcular. Então, ele calculou. Ele era muito bom. Mas, a essa época, eu tinha minhas suspeitas.

Depois da prova, fui até esse brilhante jovem e expliquei que eu era dos Estados Unidos e que eu queria fazer algumas perguntas a ele que não afetariam, de forma alguma, os resultados da prova. A primeira pergunta que fiz foi: “Você pode me dar algum exemplo de uma substância diamagnética?”

– Não.

Aí eu perguntei: “Se esse livro fosse feito de vidro e eu estivesse olhando através dele alguma coisa sobre a mesa, o que aconteceria com a imagem se eu inclinasse o copo?”

– Ela seria defletida, senhor, em duas vezes o ângulo que o senhor tivesse virado o livro.

Eu disse: “Você não fez confusão com um espelho, fez?”

– Não senhor!

Ele havia acabado de me dizer na prova que a luz seria deslocada, paralela a si própria e, portanto, a imagem se moveria para um lado, mas não seria alterada por ângulo algum. Ele havia até mesmo calculado em quanto ela seria deslocada, mas não percebeu que um pedaço de vidro é um material com um índice e que o cálculo dele se aplicava à minha pergunta.



Dei um curso na faculdade de engenharia sobre métodos matemáticos na física, no qual tentei demonstrar como resolver os problemas por tentativa e erro. É algo que as pessoas geralmente não aprendem; então comecei com alguns exemplos simples para ilustrar o método. Fiquei surpreso porque apenas cerca de um entre cada dez alunos fez a tarefa. Então fiz uma grande preleção sobre realmente ter de tentar e não só ficar sentado me vendo fazer.

Depois da preleção, alguns estudantes formaram uma pequena delegação e vieram até mim, dizendo que eu não havia entendido os antecedentes deles, que eles podiam estudar sem resolver os problemas, que eles já haviam aprendido aritmética e que essa coisa toda estava abaixo do nível deles.

Então continuei a aula e, independente de quão complexo ou obviamente avançado o trabalho estivesse se tornando, eles nunca punham a mão na massa. É claro que eu já havia notado o que acontecia: eles não conseguiam fazer!

Uma outra coisa que nunca consegui que eles fizessem foi perguntas. Por fim, um estudante explicou-me: “Se eu fizer uma pergunta para o senhor durante a palestra, depois todo mundo vai ficar me dizendo: “Por que você está fazendo a gente perder tempo na aula? Nós estamos tentando aprender alguma coisa, e você o está interrompendo, fazendo perguntas”.

Era como um processo de tirar vantagens, no qual ninguém sabe o que está acontecendo e colocam os outros para baixo como se eles realmente soubessem. Eles todos fingem que sabem, e se um estudante faz uma pergunta, admitindo por um momento que as coisas estão confusas, os outros adotam uma atitude de superioridade, agindo como se nada fosse confuso, dizendo àquele estudante que ele está desperdiçando o tempo dos outros.

Expliquei a utilidade de se trabalhar em grupo, para discutir as dúvidas, analisá-las, mas eles também não faziam isso porque estariam deixando cair a máscara se tivessem de perguntar alguma coisa a outra pessoa. Era uma pena! Eles, pessoas inteligentes, faziam todo o trabalho, mas adotaram essa estranha forma de pensar, essa forma esquisita de autopropagar a “educação”, que é inútil, definitivamente inútil!"



Algumas tiradas geniais de Richard Feynman:

- "Poets say science takes away from the beauty of the stars — mere globs of gas atoms. Nothing is "mere". I too can see the stars on a desert night, and feel them. But do I see less or more?" [The Feynman Lectures on Physics: Mainly Mechanics, Radiation, and Heat‎, de Richard Phillips Feynman, Robert B. Leighton, Matthew L. Sands - Publicado por Addison-Wesley, 1963]

- "I think I can safely say that nobody understands quantum mechanics" [The Character of Physical Law (1965) Ch. 6; MIT Press, 1967]

- "There are 1011 stars in the galaxy. That used to be a huge number. But it's only a hundred billion. It's less than the national deficit! We used to call them astronomical numbers. Now we should call them economical numbers." [Richard Feynman, 4 de dezembro de 1987, citado em Astronomically inadequate, The Economist]

- "Physics is to mathematics what sex is to masturbation" [Richard Feynman citado em "Physically speaking: a dictionary of quotations on physics and astronomy"‎ - Página 215, Carl C. Gaither, Alma E. Cavazos-Gaither - CRC Press, 1997, ISBN 0750304707, 9780750304702 - 492 página]

- "If you think you understand quantum mechanics, you don't understand quantum mechanics." [citado em "Armageddon now: the end of the world A to Z‎" - Página 337, Jim Willis, Barbara Willis - Visible Ink Press, 2005, ISBN 0780809238, 9780780809239 - 450 páginas]