sábado, outubro 30, 2010

Okuribito [A Partida]

Sugestão Azul: A Partida [Okuribito] - Oscar de Filme Estrangeiro 2009 !

Filme japonês surpreende pela delicadeza do tema e por fazer uma conexão das tradições ao mundo contemporâneo. Surpreenda-se também !





Okuribito

A Partida, 2008 [Paris Filmes]


"Everyone dies. I will die, and so will you. Death is normal"
["Todo mundo morre. Eu vou morrer, você também. Morte é normal."]



Os filmes asiáticos refletem aspectos culturais que enfatizam as diferenças de visão de mundo com o ocidente, exibindo-os em formato que frequentemente nos surpreende pela delicadeza e respeito com que os seus principais temas são tratados. O filme Okuribito proveniente da terra do sushi é um digno exemplo que vai encantando o espectador, de forma gradual, invadindo-o através de uma mistura de suaves emoções que vão do riso à tristeza, sempre em tons pastéis, sem exageros, próprias dos habitantes do sol nascente. Esta maneira indireta de interface com o mundo ordinário encontra-se ao longo da filmografia de mestres como Akira Kurosawa [1910–1998], Nagisa Ôshima [1932- ] e Kenji Mizoguchi [1898–1956], responsáveis por desvendar em parte este olhar japonês misterioso ao ocidente mais pragmático.

Tentativas bem sucedidas comercialmente como The Last Samurai [Edward Zwick,2003], Letters from Iwo Jima [Clint Eastwood, 2006], Memoirs of a Geisha [Rob Marshall, 2005], são iniciativas de artistas ocidentais com maior ou menor índice de sucesso de captar a essência desta diversidade cultural que em certos momentos de nossa história se tornam modismos, principalmente através da culinária e vestuário, ou são confinados à categoria de exóticos.



Okuribito é acima de tudo um filme delicado. Seu diretor, Yôjirô Takita, associado ao roteirista Kundo Koyama, criam uma tessitura musical cheio de nuances, explicitados através de solos de violoncelo do protagonista, que nos levam em uma viagem para entendermos com diferentes olhos a transição da vida para a morte. O tema da morte, que nos traz muito desconforto e insegurança, e razão para inúmeros ensaios filosóficos e um dos pilares das inúmeras religiões que nos fazem crentes e unem grande parte da humanidade, é tratado com dignidade e muito respeito.

O argumento central é inusitado e trata de um momento de mudança na vida do protagonista, Daigo Kobayashi [o excelente Masahiro Motoki, The Longest Night in Shanghai, 2007], que ao ver dissolvida a orquestra em que atua na capital Tóquio, vende o seu amado e caro instrumento e decide retornar à terra natal na província de Yamagata, abandonando a sua carreira de celista. Com sua esposa, Mika [a esquisitinha Ryoko Yoshiyuki], volta a morar em na casa que pertencera aos seus pais e inicia a sua busca por um novo emprego. Ao identificar um anúncio promissor na seção de empregos de um jornal local se apresenta para a entrevista com o dono do estabelecimento. De encontro às suas menores expectativas é contratado imediatamente com alta remuneração para um serviço aparentemente repulsivo: preparar os mortos para a sua derradeira jornada.



Este simples enredo é o material necessário para que Yôjirô Takita construa uma panorama para discussão e reflexão ao acompanhar o aprendizado de Daigo com o mestre Ikuei Sasaki [o sempre competente Tsutomu Yamazaki, Tampopo, 1985] no aperfeiçoamento da arte do Nokanshi e as consequências de sua nova profissão na sua relação interpessoal com conhecidos e amigos, além do seu relacionamento amoroso com sua esposa Mika. Paralelamente à sua peregrinação e envolvimento com a morte em seus aspectos mais sutis e emocionais, através da dor dos familiares em momento solene de despedida, há uma jornada de resgate pessoal que irá despertar o protagonista para a compreensão mais abrangente da vida.

Alguns dos temas mais caros aos japoneses estão presentes nesta película: a religiosidade em rituais, o respeito e a afeição no momento de partida, a dedicação, os tabus e preconceitos, e o aprendizado constante e determinação nos afazeres profissionais. Temas universais são também identificados como a reconciliação, redenção, o perdão e, o melhor de todos, o servir com orgulho ! Tudo isto envelopado por uma trilha sonora e cenários marcantes ao longo dos 130 minutos de duração.

Contrapontos a este filme são as conhecidas e apreciadas produções de Kurosawa, o drama Ikiru [Viver, 1952] e Juzo Itami, a comédia Ososhiki [O Funeral, 1984].

Sendo um filme contemporâneo e mostrando os contrastes entre a cidade grande e a interiorana podemos ao menos nos aprofundar na compreensão do pensamento japonês e reconhecer as dificuldades inerentes nesta tarefa. Tudo é muito contido, reprimido, diria até entupido, mas há um entendimento e expressão de sentimentos em um patamar diferenciado do que estamos acostumados a conviver, muito distante da superficial frieza que somos levados a acreditar. Talvez por isso tudo, aliado ainda às tradições e religiosidade, contrastando com a modernidade tecnológica, que o Japão ainda traga alta voltagem de fascínio ao ocidente.

A sequência inicial do filme é magistral e dá o tom que irá permear a história até o seu final. Uma aula de respeito e dignidade ! Há cenas memoráveis que o espectator irá apreciar: a contratação pelo novo empregador, o vídeo educativo para divulgação, a primeira experiência, o banho e ofurô em um dos inúmeros sentôs [banho público] existentes no Japão, a cena de intimidade após uma refeição mal sucedida, a despedida de Naomi.... A história sobre o formato das pedras ! Sensacional...



Okuribito foi o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2009 concorrendo com belas produções como o francês Entre os Muros da Escola [The Class, Laurent Cantet, 2008] e o israelense Valsa com Bashir [Waltz with Bashir, Ari Folman, 2008] e ganhou as telas mundiais. No Brasil, devido à concentração da maior colônia nipônica, causou furor entre a comunidade, sendo apreciado muito antes do seu reconhecimento internacional.

A presença do ator Masahiro Motoki, muito conhecido em sua terra natal, faz uma diferença enorme nesta produção e é, sem dúvida, responsável pela condução emocional da história, mostrando ser um ator de muitos recursos e de uma versatilidade incontestável. A sutileza dos sentimentos nas situações mais distintas, durante os rituais, o relacionamento com o seu mentor, a dificuldade dos diálogos com Mika, a caminhada para o resgate pessoal, seus movimentos harmoniosos e a expressão corporal, sobretudo facial, fazem desde jovem ator uma revelação ao mundo ocidental. Fico de pé e tiro o meu chapéu para Masahiro Motoki / Daigo Kobayashi !

O veterano ator Tsutomu Yamazaki que faz o papel do mentor de Daigo representa o personagem com tal naturalidade e espontaneidade, resultado de sua larga experiência cinematográfica, que nos brinda com cenas que poderiam facilmente descambar para o ridículo ou para o sentimentalismo barato. Grande ator, enxuto e correto. Ryoko Hirosue que compõe uma Mika que transita entre a estupefação, a vergonha e a raiva, até a profunda compreensão, respeito e admiração, é bastante convincente e comove nas cenas finais. Atenção especial para a atriz Kimio Yo que engrandece o papel de Yuriko dando sustentação a trama. Atriz de qualidade!

Como curiosidade, o diretor Yôjirô Takita começou a sua carreira cinematográfica com os chamados pink films, ou seja, pornôs leves. O mesmo Yôjirô Takita nos explica o conceito do ritual Nokanshi: "É uma tradição antiga que independe da religião. Não importa qual a religião dos familiares. O ritual de despedida dos mortos é o mesmo e permanence sendo um momento em que o presente e o passado se encontram, para além das crenças religiosas. O ritual é o mesmo para os mortos que são cremados ou para aqueles que são enterrados. Depois do ritual do Nokanshi, que é uma cerimônia que reúne toda a família e os amigos, pode acontecer uma cerimônia religiosa ou não."



A edição analisada é nacional, Paris Filmes, no case amaray gorducho, velho conhecido com impressão que merecia melhor acabamento e cuidado. A impressão da bolacha só é um pouco melhor que os encontrados em camelôs pelos quatro cantos da cidade ! Uma vergonha ! Obviamente sem arte interna...É o primeiro BD nacional analisado e só há reclamações a fazer: não há um extra nesta edição ! AspectRatio: 16:9 ?! Assim sendo, amigos azuis, optem, se possível, pela versão inglesa que conta com DTS-HD MA 5.1, mas sem legendas em português.



A imagem desta bolacha azul não agradará muito os amantes do mundo azul. Falta definição às cores, predominantemente em tons de madeira, sépias, alaranjados e amarelos, dando a sensação de estar assistindo a uma estética de filme antigo, ainda mais no formato 16:9 [full screen]. E uma palidez e ausência de claridade acompanha todo o filme. Necessária a comparação com a versão da rainha. Gostaria muito de ouvir a opinião do cinematógrafo Takeshi Hamada !

Poster do Filme:


O áudio é um raquítico 5.1 Dolby Digital, concentrando-se no trio frontal. Embora seja um filme urbano, sem cenas de ação espetaculares ou motivos para fazer a sua sala tremer, mesmo nas cenas com orquestra ou na cidade do interior de Yamagata, com cantos de pássaros, marulhar de córregos, as surrounds são poucas vezes acionadas e o sub inexistente. A trilha sonora é muito bonita e de autoria de Joe Hisaishi.

Trailer do Filme


Resumindo: Um filme delicado de temática complexa que mostra aos olhos dos japoneses a transição da vida para a morte através de rituais, profundos em seu significado. Atuações surpreendentes que proporcionarão à sua sessão azul momentos de comicidade e tristeza e, que certamente darão um up em seu astral. É um filme que faz um tributo ao ritual mágico do conforto humano. Esqueça as imperfeições da edição nacional e embarque nesta fascinante viagem ! Recomendo e muito !

Avaliação:
. Enredo: 4.5/5
. Imagem: 3/5
. Áudio: 3/5
. Extras: s/n
. Edição: 2.5/5

Ficha Técnica: A Partida(Blu-ray) (Versão Nacional)
. Vídeo
Video codec: MPEG-4 AVC
Video resolution: 1080p
Aspect ratio: 16:9 [Letterbox]
Original aspect ratio: 1.85:1
Data de Lançamento: 10.05.2010

. Áudio
Japonês: 5.1 Dolby Digital, Português: 5.1 Dolby Digital
. Legendas:
Inglês, Português
. Disco:
Capacidade: 50GB Blu-ray Disc
Região: ABC
Duração: 133 minutos

Fotos da Edição: